domingo, 29 de abril de 2018

Tiradentes e o Mito do Herói

 AGDGADU∴ 

Todos os anos, em 21 de abril, é rememorado o dia do enforcamento de Tiradentes, tido como herói e mártir da Inconfidência Mineira, um dos principais movimentos de contestação do poder que a coroa portuguesa exercia sobre o Brasil Colônia (FERNANDES, 2016) e um dos ensaios do processo de Independência do Brasil.

Tiradentes era o apelido de Joaquim José da Silva Xavier, um alferes, cargo militar da época colonial, equivalente ao Tenente da atualidade, e que também exerceu a profissão de dentista. Participou ativamente da Inconfidência Mineira, movimento que se articulou entre os anos de 1788 e 1789 e foi permeado por ideias provindas do Iluminismo que se alastrou pela Europa, na segunda metade do século XVIII.

Conforme a narrativa do Prof. Cláudio Fernandes:
“Os inconfidentes de Minas Gerais geralmente integravam, com exceção de poucos, a elite cultural e social daquela região (como o poeta Tomás Antônio Gonzaga) ou então ocupavam postos militares ou exerciam profissões liberais, como o próprio Tiradentes. O que dava unidade ao grupo eram ideias como a de liberdade e igualdade (ideias essas que também fomentaram a Revolução Francesa, em 1789), além do anseio pela emancipação e independência com relação à Coroa Portuguesa, à época governada pela rainha D. Maria, “A louca”.
Os planos de insurgência contra o governo local em Minas, representado pelo Visconde de Barbacena, foram articulados em 1788 e tiveram como estopim a política de cobrança de impostos sobre a produção aurífera e sobre os rendimentos que ganhava cada pessoa que compunha a população de Minas Gerais. Esse último imposto era conhecido sob o nome de “derrama”. Apesar de terem uma organização bem elaborada, os inconfidentes foram delatados por Silvério dos Reis, um devedor de tributos que, com a denúncia, acreditava poder sanar suas dívidas com a coroa.
Todos os inconfidentes foram presos. Tiradentes foi apanhado no Rio de Janeiro. O processo estabelecido contra eles e os subsequentes julgamentos e sentenças só terminaram em 1792, no dia 18 de abril. Os principais líderes receberam a pena do banimento, isto é, foram expulsos do país. Tiradentes, ao contrário, foi enforcado no dia 21 de abril ao som de discursos que louvavam a rainha de Portugal. Seu corpo foi esquartejado e sua cabeça exibida na praça principal da cidade de Ouro Preto.
Evidentemente, o dia da morte de Tiradentes por muito tempo foi compreendido como o dia em que um rebelde foi morto, como típico exemplo de retaliação absolutista. Entretanto, após a Independência do Brasil e, principalmente, após a Proclamação da República (época em que o Brasil, já desvinculado de Portugal, procurava construir sua identidade nacional), a imagem de Tiradentes começou a ser recuperada e louvada como um dos heróis da nação ou como um dos que primeiramente lutaram (até a morte) pela liberdade.
Um exemplo dessa imagem foi a instalação, em 1867, do primeiro monumento a Tiradentes na cidade de Ouro Preto. Outro exemplo, o mais notório, foi a confecção, por parte do pintor Pedro Américo, do quadro “Tiradentes Esquartejado” em 1893, época em que a República recém-instituída procurava os mártires e os patronos da “Nação Brasileira”. O Tiradentes de Pedro Américo traduz a imagem idealizada do martírio, que se aproxima do martírio de Cristo.
 Essa visão republicana de Tiradentes permaneceu no imaginário popular dos brasileiros, e de certo modo ainda permanece. Em 1965, durante a primeira fase do regime militar no Brasil, o marechal Castelo Branco, então presidente da República, contribuiu para o reforço dessa imagem de Tiradentes sancionando a Lei Nº 4. 897, de 9 de dezembro, que instituía oficialmente o dia 21 de abril como feriado nacional e Tiradentes como Patrono da Nação Brasileira. ”


É preciso destacar, antes de irmos mais adiante, a responsabilidade do historiador na transcrição das memórias. Segundo Keith Jenkins1, “baseado nos documentos ou outras fontes históricas, o pesquisador transforma aquele objeto em uma narrativa - a história depende dos olhos e da voz de outrem: vemos por intermédio de um intérprete que se interpõe entre os acontecimentos passados e a leitura que dele fazemos”.

E a verdade pode se apresentar de diversas formas, através dos inúmeros enredos de seus narradores, também influenciados pelo momento histórico em que foi escrito e a ideologia vigente. Vejamos algumas dessas vertentes da “verdade”.
Segundo Joaquim Norberto1, Tiradentes era:
[...] feio, ignorante, falastrão, pobre, inconveniente, que foi admitido nos meios inconfidentes e ainda, por irresponsabilidade, colocou tudo a perder”.
Segundo seus críticos, essa imagem de Tiradentes provém do fato de Norberto ser monarquista, amigo do Imperador D. Pedro II e almejar algum título nobiliárquico.
Entretanto, segundo a obra do historiador Silva Jardim, em 1890, Tiradentes era:
Um homem alto, magro, porém musculoso, de largas espáduas, cabelos a meio encanecidos a caírem-lhe anelados, fisionomia impressionadora, notável o olhar, cheio de estranha vida [...]. Era eloquente em suas palavras e gestos, e muitas vezes ungia-lhe o entusiasmo. O trato insinuante e lhano, de modo a cercar-se de relações, expansivo e rude a ponto de afugentar o tímido e penetrar os másculos. Não era belo”.
Percebemos duas imagens desenhadas com motivos políticos. Uma desqualificando e outra enaltecendo o personagem.
Varnhagem, considerado o “pai” da história do Brasil, proveniente de família monarquista, descreveu Tiradentes como “bastante alto e muito espadaúdo, de figura antipática, feio e espantado e incapaz de ter recebido a tarefa de ser o propagandista da conjuração”.
O então Governador de Minas Gerais, Visconde de Barbacena, ao saber sobre os planos de uma revolução do inconfidente, disse: “só se for uma revolução de meretrizes. Deem nesse maroto com um chicote. Ele é um bêbado”.
Outra narrativa ainda pode ser encontrada nos “Autos da Devassa”:
Era audacioso, conseguiu melhor contato com seu comandante. E, um dia, firme e corajosamente, abordou o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade sobre a Conjuração Mineira. A atitude causou forte estranheza ao chefe das tropas, pois não supunha aquele subordinado capaz de tamanha afoiteza, conforme declarou em seu depoimento à Devassa (MURY, 1993:65) ”.
E usando as palavras de Carlos Ballarotti:
Explica-se Tiradentes sob várias faces: o mártir símbolo republicano, o sacrificado como Jesus Cristo, o “bode expiatório”, o líder da Conjuração Mineira, o louco e o falastrão, o revolucionário inspirado nos ideários americano e francês, o antipático e ignorante, o expansivo e letrado e quantas mais imagens aparecerem sobre o herói.
Seria importante hoje saber qual dessas imagens é a verdadeira?
A questão não é saber se Jesus foi crucificado, depois ressuscitado, mas de se compreender como é possível tantos homens ao nosso redor crerem na crucificação e na ressurreição.
Da mesma forma, não é importante saber se Tiradentes era líder ou “bode expiatório” da Inconfidência, mas verificar como é possível que tantos homens acreditem que ele é um herói”.


Conclusão
Alguns pesquisadores modernos, ditos revisionistas, muitos dos quais defensores da volta da Monarquia, buscam desfazer o mito de Tiradentes. É certo que sua história se apresenta controvertida e cheia de lacunas. Mas o que vale mais, a mensagem ou o mensageiro?
Precisamos perceber o ideal por trás do mito. O ideal de liberdade e de resistência contra o absolutismo, a tirania, o modelo de colonização, escravidão e exploração.
Foi assim com a lenda de Buda contra o Bramanismo; Jesus contra o Império Romano; Maomé, o unificador e redentor das tribos árabes, contra as injustiças sociais e religiosas de sua época; Gandhi contra o domínio Britânico.
O mito e o símbolo cumprem a função de complementar a linguagem e fazer chegar o significado da mensagem até o inconsciente do homem.
Por existirem inúmeras coisas fora do alcance da compreensão humana é que frequentemente utilizamos termos simbólicos como representação de conceitos que não podemos definir ou compreender integralmente” - Jung, 1961.
O herói é um símbolo, que possui fórmula definida, segundo Jung: como o ser de nascimento humilde, mas milagroso; provas de sua força sobre-humana precoce; sua ascensão rápida ao poder e à notoriedade; sua luta triunfante contra as forças do mal; sua falibilidade ante a tentação do orgulho e; seu declínio, por motivo de traição ou por um ato de sacrifício “heroico”, no qual sempre morre.
Assim foram as narrativas sobre Hércules, Ulisses, Aquiles e Heitor. Alexandre Magno, César, Osíris, Hórus. Ainda o Gilgamesh babilônico, o Rei Arthur ou o Sansão traído por Dalila. E tantos outros heróis de todas as tradições.
O indivíduo precisa desse esquema como fórmula para encontrar e afirmar sua personalidade, tanto quanto a sociedade como um todo necessita estabelecer uma identidade coletiva.
Esses personagens divinos são representações simbólicas da psique total, entidade maior e mais ampla que supre o ego da força que lhe falta. [...] é atribuição essencial do mito heroico desenvolver no individuo a consciência do ego – o conhecimento de suas próprias forças e fraquezas – de maneira a deixá-lo preparado para as difíceis tarefas que a vida lhe há de impor.
Uma vez passado o teste inicial e entrando o indivíduo na fase da maturidade da sua vida, o mito do herói perde a relevância. A morte simbólica do herói assinala a conquista daquela maturidade (JUNG, 1961)3.
Mesmo que o indivíduo amadureça a tal ponto de descartar as fantasias, crenças, lendas e mitos, a sociedade em geral precisa cultivar ditas lendas como suporte pedagógico para seu desenvolvimento psicológico e político-social.
Acredito que um dos problemas do Brasil, assim como da maioria dos seus vizinhos latino-americanos, é a diminuta quantidade de heróis que os inspire e lhes dê esse suporte subliminar ou subconsciente.
Precisamos de mais figuras como a de Tiradentes, personificando os valores básicos para a formação de uma sociedade mais justa. Seu mito é um símbolo para o profano e um grande ensinamento para os iniciados, mantendo vivo em nossa memória que desde aquela época um grupo de homens se reúne para combater o despotismo, os preconceitos e os erros, para glorificar a Verdade e a Justiça, assim como para promover o bem-estar da Pátria e da Humanidade, levantando Templos à Virtude e cavando masmorras ao vício.
E são esses valores que cultuamos e rememoramos no dia 21 de abril

Or de Curitiba, 20 de abril de 2016.

Daniel de Queiroz BarbosaM M

Referências:
BALLAROTTI, C. R. A construção do mito de Tiradentes: de mártir republicano a herói cívico na atualidade. Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Estadual de Londrina. Londrina. 2009.
BLOG Monarquia Já. Disponível em <http://imperiobrasileiro-rs.blogspot.com/>. Acesso em 03/04/2016.
Brasil. LEI Nº 4.897, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965. Sítio da Câmara dos Deputados, em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4897-9-dezembro-1965-368995-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em 03/04/2016.
FERNANDES, Cláudio. "21 de Abril - Dia de Tiradentes". Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/tiradentes.htm>. Acesso em 03 de abril de 2016.
GOMES, Laurentino. BLOG Laurentino Gomes. Disponível em <http://www.laurentinogomes.com.br/>. Acessado em 11/04/2016.
 JUNG, C.G. O homem e seus símbolos. 2ª edição especial. Nova Fronteira, 2008.

   

1 JENKINS, Keith. A história repensada.
2 Joaquim Norberto de Souza Silva, autor de História da Conjuração Mineira, publicada em 1873.
3 O homem e seus símbolos, cap. 1 – Chegando ao inconsciente.


quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Adeus, meu Pai!


Vai, Reinaldão!
Vai descansar!
Tô indo aí para um último velar!
Obrigado por nossas vidas sacudir e todo o tempo ensinar.
Em todos os momentos, os bons e os ruins, você sempre foi o nosso PAI.
Obrigado PAPAI pela intensa jornada até aqui!
Olhai por nós aí do outro lado. Envie suas bênçãos. Vamos sempre precisar!
Um beijo!
Que Deus te acolha e te guarde!

Daniel.

domingo, 21 de janeiro de 2018

Netos...


"Netos são como heranças: você os ganha sem merecer, sem ter feito nada para isso. De repente lhe caem do céu. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. O neto é, realmente, o sangue do seu sangue. 
Com a idade chega a saudade de alguma coisa que você tinha e que lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Meu Deus, para onde foram as crianças? Transformaram-se naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum suas crianças perdidas. São homens e mulheres... não são mais aqueles que você recorda.
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe coloca nos braços um bebê.  Completamente grátis.
Sem dores, sem choro, aquela criancinha da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade, longe de ser um estranho, é um filho seu que é devolvido. 
E o espanto é que todos lhe reconhecem o direito de o amar com extravagância.
Tenho certeza de que a vida nos dá netos para compensar de todas as perdas trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vem ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. 
E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono abre o olho e diz: "Vó!", seu coração estala de felicidade, como pão no forno!”

Rachel de Queiroz 

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Ser jovem é

Ser jovem é... 

A juventude é uma embriaguez sem vinho... 
Uma erupção de vida...
Um tsunami de emoções...
Um jardim de sensações e nem sempre de delícias... 
Uma promessa para o futuro e ao mesmo tempo uma jornada de incertezas... 
Uma obra sem engenheiro. Um roteiro sem referência, escrito em pleno voo. 
A saída da toca do Coelho e a travessia do mar vermelho. 
Não importa o porto seguro ou a terra prometida. 

Toca Raul! Toca Raul! 

E boa jornada!

Daniel.